Na sociedade contemporânea a existência humana se encontra marcada por uma crise de valores e de sentido, que advém dos aspectos peculiares da modernidade como o racionalismo e a intelectualidade e de um excessivo relativismo cultural, individualista, de consumo, hedonista e utilitarista.
A experiência da morte e todo o tipo de sofrimento passam a ser vistos como absurdo e um mal a ser suprimido, sendo questões que põem em curso a consciência moral da sociedade, que tolera ou favorece comportamentos contrários à vida. Na busca do bem-estar material, os indivíduos esquecem as dimensões existenciais e refutam o sofrimento e a morte (João Paulo II, 1995).
Atualmente, percebe-se que muitas pessoas não buscam realizar ou compreender sua mensagem existencial ou até mesmo não a conhecem ou a ignoram e optam, por inúmeros fatores, até psicológicos e sociais, em delimitar ou abreviar a própria vida (Agostini, 1998). E, é nesse contexto que se faz necessário debruçar o olhar sobre o fenômeno do suicídio na sociedade atual, revelado como uma epidemia global de saúde pública em face aos alarmantes e crescentes números de tentativas e atos consumados. A Organização Mundial de Saúde (OMS, 2014) nos apresenta como extremamente vulneráveis o ser humano que busca, reiteradamente, atentar contra a própria vida.
O presente artigo não adentra ao campo da fenomenologia, da psicologia ou da etiologia do ato suicida, mas contempla uma reflexão bioética em seus modelos e princípios na perspectiva da prevenção e do cuidado humanizado em saúde mental. Este destina-se a desenvolver uma reflexão ética e teológica sobre a pessoa humana, sua dignidade e autonomia no caráter preventivo do suicídio. Sugere propostas de como o ser humano deve ser assistido e cuidado preventivamente, com possibilidades de ressignificação de sua existência, quando este se encontra em momento de vulnerabilidade frente à perda de sentido da vida, projetando a ideação suicida que por vezes chega à efetivação do seu intento. Pondera uma análise sobre a mortalidade por suicídio no Brasil, seus fatores epidemiológicos e de riscos, as estratégias de redução das taxas de notificação suicida e, de tentativas por meio de políticas públicas com planos e ações globais de prevenção praticadas na esfera nacional.
O suicídio, conceituado como ato deliberado de autodestruição por alguém com plena consciência de seu desfecho, é amplamente reconhecido como algo que pode ser prevenido (OMS, 2014), porém, o tema permanece considerado como estigma social e tabu, relegado como assunto proibido e de notória invisibilidade, mesmo decorridos vinte anos da reforma psiquiátrica no Brasil.
Durkheim (2002) em sua obra intitulada O suicídio, publicada em 1897, caracteriza o suicídio como “fato social” ao explicar as diferenças em suas taxas de incidência observadas entre ambientes sociais distintos (católicos e protestantes europeus), não considerando a tarefa de explicar casos individuais (Bertolote, 2012). Como “fato social”, o suicídio possui poder coercitivo exterior ao ser humano, sendo um processo de interação humana, de costume, praticado na sociedade e que exerce grande influência com intensidades desiguais, e, que não sofre questionamentos devido a sua generalidade.
Dados estatísticos da OMS (2014) mostram que, nas últimas décadas, o evento suicídio vem crescendo não somente por questões demográficas e populacionais, mas também por problemas sociais que prejudicam o bem-estar de cada um e estimulam a autodestruição. Segundo a OMS (2014) se evidencia que taxas mundiais de suicídio aumentaram aproximadamente em 60% nos últimos 50 anos, variando de acordo com as categorias demográficas. Em números absolutos, atualmente, cerca de um milhão de pessoas se suicidam por ano, no mundo todo, atingindo uma pessoa a cada quarenta segundos. Estimativas sinalizam que até o ano de 2020, estes índices chegarão a mais de um 1,5 milhão de vidas autodestruídas. Em torno de 10 a 20 milhões de pessoas no mundo, tentam suicídio a cada ano. A cada morte vitimada pelo suicídio é estimado de seis a dez pessoas diretamente impactadas que sofrem sérias consequências difíceis de serem reparadas (OMS, 2014).
Em se tratando de suicídio e gênero a nível global, entre jovens e adultos, predomina-se os homens como sendo os que mais se matam e com métodos violentos como armas de fogo, enforcamentos e atirar-se de lugares altos. Porém, as mulheres tentam mais vezes e com a escolha de métodos menos letais como envenenamento, cortes e queimaduras (Bertolote, 2012).
No Brasil, segundo dados oficiais do Sistema de Saúde de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, apenas em 2008 se sucederam 9.206 óbitos por suicídio. Porém, estes dados não condizem com a realidade, tendo em vista a dificuldade das notificações de mortalidade por suicídio decorrente de estigma, religião, preconceito, implicações policiais e legais, etc. Segundo o IBGE –Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1999)–, 15,6% dos óbitos decorrentes de suicídio não são registrados no país e aqueles que o são cerca de 10% o notificam como “causa externa ignorada” (Bertolote, 2012, p. 59-60).
A média brasileira que compreende 5,3 mortes por 100 mil habitantes está abaixo da média mundial, entre 13 a 14 mortes por 100 mil pessoas, mas cresce a níveis preocupantes diante de uma média global que se permanece estável. Pelo fato de ser um país populoso, atinge o oitavo lugar entre os doze países com maiores números absolutos de suicídio no mundo e é o quarto país latino-americano com o maior crescimento estatístico (OMS, 2015).
Levando em conta o crescimento vegetativo da população, segundo Waiselfisz (2011) a taxa de suicídio brasileira observada elevou-se em 33,5% entre 1998 e 2008, onde as taxas dos homens aumentaram cerca de 90%. Contudo, estes números globais nas variações temporais são diferentes conforme o sexo, a idade e a região geográfica (Bertolote, 2012). Diante da situação epidemiológica mundial, no Brasil se destaca, na última década, pelo maior crescimento de índices de suicídio em jovens entre 15 e 24 anos e em idosos acima de 65 anos, com predominância das taxas mais elevadas relativas ao sexo masculino.
Cabe ressaltar nas instâncias sociodemográficas de desigualdades negligenciadas, o suicídio indígena, a autodestruição de jovens e também dos idosos no Brasil. Segundo o Fórum Permanente da ONU no Brasil (2015), o suicídio indígena e a automutilação são abordados como epidemia, principalmente entre os jovens do povo Guarani-Kaiowá, na região norte do país: Amazonas, Acre, Mato Grosso do Sul, Roraima e Tocantins. Enquanto o índice geral no Brasil é de 5,3 por 100 mil pessoas, entre os jovens índios o índice sobe para acima de 30 em alguns municípios de população indígena. Os locais com maior incidência de suicídio são aqueles mais desassistidos, com maior índice de desemprego, uso de drogas e álcool e principalmente conflictos decorrentes dos assentamentos das comunidades indígenas. A desapropriação de terras e recursos ligados a injustiças históricas, negação de direitos humanos, afastamentos das raízes culturais e modo de vida pela demarcação e limitação de novas reservas, acarretam a perda da própria identidade indígena o que tem levado jovens índios ao comportamento suicida (ONUBR, 2015).
Na sociedade contemporânea verifica-se que a vida tende a estar dissociada da morte de maneira seletiva, pelo fato da existência humana estar primada a uma excessiva cultura materialista, consumista e de extrema valorização do corpo.
A manifestação sobre a morte, segundo Erich Fromm (1972) não está relacionado diretamente ao medo de morrer, mas ao propósito de preservar a sua imortalidade, pois o ser humano tem medo de “perder o que tem”: o corpo, a identidade, o prazer, as posses, enfim, a própria vida.
Entretanto, a pessoa humana é constituída de corpo, mente e espírito (D’Assumpção, 2005) e a sua vida deve ser vivida na sua integralidade humana: biopsicossocial e espiritual (Kübler-Ross, 2008), sendo a morte parte integrante deste processo.
Porém, o que estamos presenciando na atualidade é uma cultura de morte, onde muitas pessoas não buscam realizar ou compreender sua mensagem existencial ou até mesmo não a conhecem ou a ignoram e optam, por inúmeros fatores, até psicológicos e sociais, em delimitar ou abreviar a própria vida como alternativa última (Agostini, 1998).
A temeridade da vida está de certa forma, alicerçada à temeridade da morte, pois se trata de uma reação instintiva que nos afasta das situações de perigo, e também da dor, do sofrimento, da dependência de terceiros, de situações degradantes e de qualquer desconforto mais acentuado. A dignidade humana frente ao fenômeno do suicídio deve considerar todos os momentos existenciais da pessoa humana, principalmente diante das situações de vulnerabilidade oriundas dos mais variados motivos.
São quatro os sentimentos principais de quem pensa em se matar: depressão, desesperança, desamparo e desespero. O que dirige a ação autoinflingida é uma dor psíquica insuportável e não uma atitude de covardia ou coragem. Nestes casos, à família é a principal auxiliadora no processo de apoio ao tratamento e de diagnóstico primário. Deve-se então, se atentar aos sinais que um potencial suicida possa vir a externar sobre a total perda de sentido da vida, momento este que pode iniciar o processo de ideação suicida. Diante desta identificação que pode desencadear o processo de aniquilamento e de efetivação do intento suicida, é que se deve proceder a assistência e cuidado multidisciplinar a fim de que toda pessoa humana vulnerável possa vir a ter a possibilidade de ressignificar a sua existência e reconhecer o valor e a inviolabilidade da vida humana. A pessoa humana é um ser vocacionado à vida, chamado a viver, dentro de uma dimensão pessoal e comunitária em sua complexidade e particularidades, marcada por sua cultura de origem e de realidades que transcendem a cultura.
Segundo Junges (1999), o mito da sociedade do consumo e do bem-estar anuncia que só vale a pena viver com o máximo de satisfação e prazer, e quando aparecem dor e sofrimento não se tem força interior para enfrentá-los e se prefere fugir deles. É neste quadro de incompatibilidade entre sofrimento e realização humana que o ser humano padece, e ao se encontrar com sofrimentos inevitáveis, desespera-se e prefere a morte.
A morte por suicídio seria uma solução para a vida em suas mais diversas fontes causais. Renaud (1999) interpela uma dualidade ao confrontar quem poderia decidir sobre a dignidade da vida senão é o próprio que declara que sua existência perdeu toda a dignidade e sentido ou esta seria uma tarefa ética de outros seres humanos de reivindicar e reclamar esta dignidade do doente, lutando contra esta total impressão de perda.
Para Pessini e Barchifontaine (2000) esta provocação leva a pensar sobre a natureza do cuidado humano a partir do pensamento de Cicely Saunders que afirmou que “o sofrimento somente é intolerável se ninguém cuida” (p. 276). Victor Frankl, parafraseado por Pessini e Barchifontaine (2006), nos aponta que “o homem não é destruído pelo sofrimento, mas pelo sofrimento sem sentido” (p. 365). A base de um comportamento suicida é formada por causas complexas que compreendem, entre tantas, a pobreza, o desemprego, a perda de pessoas queridas, conflitos de relacionamentos, crises econômicas, problemas de trabalho, alcoolismo, dependência química, desordens mentais, incluindo a depressão e a esquizofrenia. Pessini (2009) enfatiza que o suicídio muitas vezes “é um ato de desespero, um grito por ajuda que exige de nós não julgamento, mas solidariedade” (p. 138).
A Igreja Católica, por meio de sua doutrina e de seu magistério sempre esteve à frente das questões alarmantes de uma cultura de morte, buscando promover e afirmar o valor sagrado e a inviolabilidade da vida humana.
Segundo a premissa cristã das instruções da Carta Encíclica Evangelium Vitae (João Paulo II, 1995), a dignidade da pessoa humana é uma resposta a uma crescente relativização moral quanto às estruturas de uma cultura de morte, “que avança, sobretudo nas sociedades do bem-estar” (João Paulo II, 1995, p. 53), sob forma de degradação humana em tudo o quanto se opõe à vida.
O conceito de dignidade da vida humana foi a fonte inspiradora da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948). O documento conclui que a dignidade humana deve ser reconhecida e respeitada e que todo ser humano é unidade de corpo e espírito, aberto ao horizonte do infinito, um ser que transcende a si mesmo e capaz de abrir-se ao ser infinitamente transcendente de Deus (Pessini, 2009).
A carta conciliar fundamenta o conceito de inviolabilidade da vida e destaca o valor incomparável da pessoa humana, num apelo mundial em defesa da sacralidade da vida referendado pela Imago Dei (João Paulo II, 1995, p. 44). Retrata a cultura da morte como o drama do homem contemporâneo e típico do contexto sociocultural que, é dominado pelo secularismo e relativismo total, que coíbe o respeito pela vida humana e sua dignidade, pois ao perder o sentido de Deus, perde-se o sentido do homem e deste pela vida (João Paulo II, 1995, p. 18).
O Evangelho da Vida (João Paulo II, 1995, p. 55) orienta que, “o suicídio é sempre moralmente inaceitável, tal como o homicídio”. Embora certos condicionalismos psicológicos, culturais e sociais possam levar a realizar um gesto, “o suicídio é um ato gravemente imoral, porque comporta a recusa do amor por si mesmo e a renúncia aos deveres de justiça e caridade para com o próximo, com as várias comunidades de que se faz parte, e com a sociedade no seu conjunto” (João Paulo II, 1995, p. 55).
O documento anseia pela renovação da cultura da vida, e entende que para tanto devese iniciar com a “formação da consciência moral acerca do valor incomensurável e inviolável de cada vida humana” (João Paulo II, 1995, p. 78). Ressalta sobre a indivisibilidade entre vida e liberdade, ou seja, quando um é violado, o outro acaba por o ser também, afirmando que “não há liberdade verdadeira, onde a vida não é acolhida nem amada; nem há vida plena senão na liberdade. Ambas as realidades têm, ainda, um peculiar e natural ponto de referência que as une indissoluvelmente: que é a vocação ao amor” (João Paulo II, 1995, p. 78).
A Igreja Católica, em seu magistério, leva a considerar o corpo criado por Deus como bom e digno de respeito, pois consiste na sua vocação à união com o próprio Senhor (Paulo VI, 1997). Este respeito pela vida exige que a ciência e a técnica estejam sempre orientadas para o homem e para o seu desenvolvimento integral. A sociedade inteira deve vir a respeitar, defender e promover a dignidade de toda a pessoa humana em cada momento e condição da sua vida (João Paulo II, 1995).
Por inúmeras vezes o ser humano encontra-se num cenário geopolítico e social o qual é suscitado a cobranças e levado a desajustes intensos para os quais não se encontra devidamente preparado, levando-o ao desespero e consequentemente, a efetivação do ato suicida (Pessini, 2009). Neste ínterim, a bioética torna-se chave de leitura da realidade em que se debate a temática do suicídio, visto que a pessoa humana e a valorização de sua vida é, por excelência, a sua categoria fundamental (Junges, 1999).
Conforme Durand (2007), ao se introduzir o neologismo bioético com Van Rensselaer Potter, em 1970, tal é designado nos EUA como uma ciência da sobrevivência, baseada na aliança do saber biológico com os valores éticos, sensibilizados à proteção da vida e saúde humana. Mas, trata-se de uma ciência de vasta aplicação que engloba desde o controle da população, a paz, a pobreza, a ecologia, a vida animal, o bem-estar da humanidade, e a sobrevivência da espécie humana e do planeta como um todo, fato este que instaura a responsabilidade social sobre toda a humanidade.
Atualmente se vivencia a presença de múltiplos modelos de bioética e, diante da asserção de temeridade da vida e da morte, faz-se necessária uma abordagem a respeito de questões éticas sobre o suicídio. São premissas éticas de defesa e promoção da vida humana em seus mais diferentes aspectos (Junges, 1999) e o suicídio é considerado um ato deliberado e extremo de depreciação da própria vida.
Entre estes desdobramentos bioéticos, uma linha de reflexão que aborda a questão da defesa da dignidade da pessoa humana e do bem comum é a chamada bioética personalista. Para a bioética personalista primeiramente se esclarece a teoria antropológica, tendo como fundamento a pessoa humana; o ser humano é unitotalidade, humano integrado corpo e espírito. Este pressuposto constitui a base dos quatro princípios da bioética personalista como a defesa da vida física, a liberdade e responsabilidade, a totalidade ou princípio terapêutico e a sociabilidade e subsidiariedade (Ramos, 2009).
Segundo Ramos (2009), o elencar dos princípios personalistas devem ser levados em consideração em todas as decisões a respeito do relacionamento com o paciente, pois a vida humana implica:
Dentre todos os princípios expostos este último ponto implica a Bioética Personalista diante desigualdades e injustiças sociais atuais a qual exige um caminho de acesso à promoção, prevenção e terapias.
Pondera que um olhar que reconhece a dignidade da pessoa humana em cada um poderia ajudar sobre tais questões e tentar novos caminhos, considerando o bem comum e o bem de cada um, de modo integral. Trata-se da pessoa que constrói a sociedade (Ramos, 2009).
Ramos (2009) explicita sobre os princípios da Bioética Personalista:
A partir do reconhecimento do valor da pessoa humana, os princípios do Personalismo Ontologicamente Fundado são referências que orientam a escolha das ações intermediárias que têm como objetivo o bem de todas as pessoas envolvidas no processo de cuidado na saúde. (Ramos, 2009, p. 70).
A vulnerabilidade do ser humano em sofrimento, principalmente aos que buscaram uma ruptura com o real, por meio de um comportamento suicida, provocam reflexões que ultrapassam as esferas de vida pessoal, social e familiar, apresentam sua maior expressão na esfera existencial. Faz-se necessário um cuidado além da técnica, um cuidado com humanismo, pois carregado de angústia, o sofrimento ameaça a integridade do ser. O cuidado humanizado deve ter como um dos pilares o reconhecimento da dignidade de pessoa em todo ser humano, com a consciência também de sua espiritualidade e imortalidade (Sgreccia, 2009).
Roselló (2009) refere que “cuidar de alguém, acompanhar um sujeito maximamente vulnerável é exercer a responsabilidade ética” (p. 166-167). A ação de cuidar implica em uma responsabilidade e tem um caráter ético, além de antropológico, psicológico, social e espiritual, e supera os limites da técnica.
Segundo Pessini (2014), quando se refere à ética do cuidado, coloca que a mesma tem diante de si, nesse futuro imediato, três grandes desafios a serem enfrentados: a) compromisso éticopolítico- ecológico que se refere à promoção e defesa da vida em todos os níveis (humano e cósmico-ecológico); b) ciência com consciência e ternura que compreende a competência tecnocientífica aliada à competência ética e; c) reflexão ética consistente com necessidade de educação para resgatar os valores fundamentais que constroem uma vida humana saudável e feliz.
Neste sentido o cuidado em saúde mental deve ser amplo e multifatorial, os programas de prevenção devem ser aprimorados buscando propiciar informação e sensibilização da população sobre o tema, viabilizando assim, o acesso à assistência profissional para acolhimento, orientação e direcionamento para tratamento, seguindo assim as diretrizes para um plano de prevenção de suicídio.
Conforme pesquisa da Unicamp, cerca de 90% dos casos de suicídio poderiam ser evitados, pois cada tentativa é um clamor de ajuda perante um estado interior de ambivalência (CVV, 2015). Pessini (2009) reafirma que o suicídio não é algo inevitável e pode ser prevenido de diversas formas, porém, devido à complexa interação de fatores causais são necessários profissionais médicos e de saúde mental para combatê-lo e, pondera que o suicídio não está necessariamente ligado a uma doença mental, mas a um momento crítico que pode ser superado por meio de auxílio oportuno. Além de uma equipe multidisciplinar que possa minimizar o número de pessoas com comportamento suicida, a prevenção que cada pessoa humana em risco suicida é de responsabilidade de todos.
Porém, desde o início da reforma psiquiátrica e da luta antimanicomial, podemos verificar uma considerável reformulação da assistência em Saúde Mental, que, para oferecer um tratamento não asilar/hospitalocêntrico e também não excludente, tem investido significantemente nos “serviços de atenção à crise”, dentre eles os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), NAPS (Núcleos de Atenção Psicossocial) e CERSAMs (Centros de Referência de Saúde Mental) (Luzio & Yasui, 2010).
A temática de saúde mental que engloba transtornos mentais e o fenômeno do suicídio ainda é considerada um estigma social. O ser humano vulnerável, em um quadro de transtorno mental e com pretensa ideação suicida, em seu ambiente de convivência (trabalho, estudos, família, amigos, etc.) necessita de determinado cuidado e atenção, porém, o que muitas vezes se verte é uma estigmatização, o preconceito social pela falta de conhecimento e sensibilidade. Muitas vezes, este fato atrelado ao sofrimento psíquico, vem a gerar constrangimento e dificuldade de aceitação por parte do paciente, que opõe a tratamentos e medicamentos terapêuticos.
Há lacunas a serem estreitadas entre a conscientização coletiva necessária de um cuidado eficiente, humanizado, digno e de qualidade aos pacientes com transtornos mentais e ideação suicida. Estão fundamentadas na Proposta de Prevenção do Suicídio do Ministério da Saúde, nas Diretrizes para um Modelo de Atenção Integral em Saúde Mental no Brasil, da Associação Médica Brasileira. As diretrizes do Sistema Único de Saúde em Saúde Mental constituem em grande avanço, porém, atendimentos criados em serviços de nível primário encontram-se ainda insuficientes e desintegrados de acordo com as necessidades de atendimento e diagnóstico dos pacientes. Conflita com o processo gradual da Lei 10.216/2001 do Ministério da Saúde, a qual dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, a assistência e promoção em saúde, com a participação da sociedade e da família. As ações das diretrizes debatem com as diretivas da Associação Brasileira de Psiquiatria, que se preocupa com o acesso a saúde mental e que exige diferentes terapêuticas em diferentes necessidades e atuação de equipes multidisciplinares.
Após a desinstitucionalização manicomial, o modelo de matriciamento nas intervenções das equipes de atenção primária foi adotado e verificam-se intervenções específicas da atenção primária em pacientes com transtornos mentais. Porém, constatase um processo moroso de integração da equipe de referência em atenção primária com a equipe de apoio matricial de saúde mental. Há dificuldade no atendimento e diagnóstico pela equipe inicial pela falta de capacitação contínua de profissionais e educação permanente em saúde e transtornos mentais.
A prevenção carece de informação à sociedade para desmitificar o estigma em torno do tema, atendimentos integrados, acesso à rede de saúde e medicamentos e o contínuo acompanhamento de reabilitação, evitando-se negligenciar o atendimento de determinados grupos com doenças em saúde mental.
A prevenção carece de informação à sociedade para desmitificar o estigma em torno do tema, atendimentos integrados, acesso à rede de saúde e medicamentos e o contínuo acompanhamento de reabilitação, evitando-se negligenciar o atendimento de determinados grupos com doenças em saúde mental.
Em busca de reverter este fenômeno, a OMS (2014) definiu a data de 10 de setembro como Dia Mundial da Conscientização e Prevenção do Suicídio, intitulado como mês de “setembro amarelo”, para a prática de ações comunitárias de valorização, promoção e defesa da vida humana como palestras, convivências, caminhadas e demais atividades. São esforços para alertar a sociedade sobre este problema de saúde pública e de se evitar inúmeras mortes prematuras.
As ofertas de ajuda, voluntária ou profissional, repercutem na sociedade brasileira como sendo os organismos imediatos de prevenção, como a rede voluntária CVV –Centro de Valorização da Vida– que atua há mais de 50 anos no sentido da prevenção.
Mesmo diante do início de um movimento de políticas públicas nos últimos anos para traçar planos integrados de prevenção, seus desdobramentos encontram-se num processo gradual e lento. Por tratar-se de um tema de extrema seriedade e visto pela sociedade como um assunto proibido, o tabu, o mito continua entre a maioria das pessoas e, ao silenciar-se, vai se dificultando a sua prevenção.
Muito se compreende que a prevenção está ligada à educação para os valores contra as doenças de caráter autodestrutivo. É necessária a concepção de pessoa humana percebida em seu caráter ontológico e transcendente e não somente no conceito secularizado e no horizonte da imanência (Sgreccia, 1997).
A Bioética vem nortear as ações em saúde mental em vistas à preservação, o cuidado e a dignidade humana para aqueles em ideação suicida. Pois, se torna imperativo a ação conjunta destes organismos para uma ação integrada de atenção em saúde mental, no âmbito domiciliar e nos centros de atenção psicossocial, a fim de que seja implementada uma política de saúde mental de forma abrangente, eficaz e humanizada.
As informações referendadas demonstram que a sociedade se encontra em crise humanista de não valorização da vida e da dignidade humana, em vista de um desenvolvimento racionalista e intelectual que desperta interesses e reações de domínio e poder.
O direito à vida é considerado um direito fundamental que inclui o direito ao acesso a bens e serviços necessários para que a pessoa humana possa viver com dignidade e integridade, devendo ser promovida e garantida pela sociedade os bens comuns fundamentais. O acesso aos serviços de saúde é uma necessidade básica primária e fundamental que emana diretamente deste direito à vida e a sua integridade no sentido de sua totalidade.
A vulnerabilidade humana expressa por uma enfermidade ou sofrimento deve ser combatida com a assistência e recuperação da saúde a qual não deve ser restringida a um determinado grupo de pessoas ou segregada por razões econômicas, de etnia, idade, sexo ou pelo tipo de enfermidade.
Diante da ideação e mortalidade por suicídio, identificou-se ações preventivas e estratégias adotadas de políticas públicas em saúde mental em face da desospitalização vigente. Deve-se atentar em oferecer um tratamento multidisciplinar com dignidade, que preserve a autonomia do paciente frente ao diagnóstico clínico, mas para que haja acesso ao tratamento adequado, o corpo clínico necessita de formação específica para poder diagnosticar corretamente.
As políticas de desinstitucionalização devem abranger a todos os pacientes em transtornos mentais e, não somente àqueles que teriam indicação médica, facilitando o acesso àqueles que necessitam de leito psiquiátrico em casos agudos de tentativas de suicídio.
Os pacientes em transtornos mentais não devem ser contemplados com uma visão reducionista, considerado como meramente uma doença somente no contexto biológico, com tratamento medicamentoso, e que vem carregado do estigma que o acentua numa dualidade: corpo e mente.
Nesse sentido, os princípios da Bioética Personalista e da Igreja Católica podem subsidiar as ações de cuidado, tratamento e prevenção do suicídio. Ressalta-se que a Bioética personalista reafirma o direito à vida humana em todas as suas dimensões, em unitotalidade, visando à defesa e promoção da saúde e, a Igreja Católica orienta os preceitos de respeito e promoção da vida humana e da dignidade, como dom sagrado e inviolável em detrimento aos alarmantes sintomas de uma cultura de morte.
Pondera o estudo sobre condições dignas e humanizadas de atendimento, pois o paciente com risco suicida, em profundo sofrimento, é impelido pela desesperança ao ato final, o qual suscita na sociedade, o desafio e responsabilidade coletiva ao cuidado e defesa da vida. Assim, deve-se buscar legitimar o acesso de atendimento de caráter universal, a qual remonta à ideia de um Estado de bem-estar social e visar à equidade em saúde, por meio das políticas públicas em saúde mental mais abrangentes, deliberadas pela solidariedade e sustentadas por uma bioética como base para uma efetiva justiça em saúde.